13 novembro, 2015

Hoje

Hoje, aprendi que o tempo
me dá mais tempo.
E um sorriso que não é mais amargo
nem feito da solidão de antes.
Descobri que na janela vejo do alto
um caminho para além do que já conheço.
Depois de tudo, não há memórias
que possam segurar-me mais
no que já não sou.
E descubro-me de novo,
em cada visão que tenho de mim mesma.
Hoje traduzo-me nestas palavras,
rabiscadas em um novo caderno...


25 outubro, 2015

Eu-árvore

Sou árvore, em um bosque denso.
Nos meus braços-galhos tenho filhos-frutos, que dão sentido a tudo que vivi.
E sustentando meu tronco, tenho raízes-pais, que me ensinaram a enfrentar a vida de pé, mesmo durante os ventos fortes.
Durante as estações perco folhas, para depois ver nascer outras tantas, conforme são tristes os invernos, ou alegres, as primaveras.
Resisto ao tempo, mas não ao machado, e a dor que me corta é a que vem injusta e inesperada, daqueles que não conhecem a seiva que derramo, vinda da força que tenho por dentro.


28 abril, 2015

Baião

Meu pai gostava de dançar o baião.
Assim que a música começava, sempre Luiz Gonzaga, ele
se levantava e me estendia a mão, em convite.
Embora eu já soubesse de cor todas as instruções, ouvia com alegria
enquanto dançava: "arrastando os pés, vamos lá".
Ele cantava baixinho, acompanhando o cantor, e muitas vezes eu fui
a testemunha daqueles olhos marejados...
"por farta d'água perdi meu gado, morreu de sede meu alazão"...
A saudade não tem ritmo.
É impossível acompanha-la, ou se alegrar com ela.
E hoje, sem meu par, deixei de dançar o baião.
Penso que ele está lá, cantando enquanto me vê:

"...então eu disse, adeus Rosinha

Guarda contigo meu coração..."

05 abril, 2015

Renovada

Tira os sapatos e pisa a areia morna.
Solta os cabelos e abre os braços,
nesta dança com vento e sol.
Corre destemida para o mar,
E mergulha em azul que também é céu.

No abraço de espuma,
ou no beijo respingado de sal,
um batismo de mulher renascida,
que tem na pele o gosto de liberdade
tão grande como o próprio sol,
tão constante como o movimento das ondas.
Neste caminho que recomeça no mar...


01 abril, 2015

Meu Pai

Nas lembranças que tenho dele, em quase todas o vejo da mesma forma: sempre sentado na mesma cadeira, cigarro aceso em uma das mãos, jornal aberto sobre a mesa à frente, com semblante fechado, indecifrável.
Dividia a atenção entre a leitura e a televisão, sempre ligada, no canto da sala.
Falava e se movimentava pouco pela casa. Limitava seu espaço de forma rotineira, sistemática: pela sala, quarto e cozinha. Me habituei à sua presença em cada um daqueles cômodos, povoando a casa que era, de certa forma, sua imagem:  forte, segura e permanente.

Mas nos dias em que a família se reunia, filhos e netos juntos, seus olhos ganhavam um brilho novo. Gostava do burburinho, do vai e vem dentro de casa, da fartura dos almoços e da confusão que se formava.  Em dias de festa, acertava logo um jogo de truco, escolhia um parceiro e arrumava a pequena mesa para quatro. Era fácil saber quando ganhava dos parceiros, pois os gritos, entremeados de risadas, podiam ser ouvidos na casa toda: “seis mi, ladrão!” e lá vinha ele, escondendo uma carta de baralho, brincando ou blefando, eu nunca soube.

Mais do que ensinamentos, ele me deixou referências.
Marcas que até hoje procuro cada vez que o caminho se torna mais árduo, e preciso ser forte.

E hoje, todas as vezes que a saudade é dolorosa, me abrigo nesse abraço de memórias, buscando forças para seguir em frente, mesmo quando as pessoas que amo vão  ficando pelo caminho.

26 fevereiro, 2015

Peregrinos

Vejo o peregrino, vestido de fé e anseios,
se aventurando em milenares caminhos,
na busca por si próprio.
Para ele não importa a aridez do chão,
ou a solidão dos próprios passos,
em todos os dias e noites 
de sacrifício à alma pelo corpo.
Assim como ele, o poeta se isola,
no anseio de traduzir o que sente
em palavras e versos do coração.
Da mesma forma ele se oferece à obra que escreve,
na religiosa tarefa de se tornar criador,
embora , peregrino, seja,
um caminhante à procura de luz.


Ímpar

Contavam as histórias de amor, que cada coração tinha seu par, e que, mesmo distantes, um sempre encontraria o outro.
Nas histórias, o destino se ocuparia de traçar rotas misteriosas, que sempre levariam aos finais felizes, por isso bastava esperar, e amar.
Por uma vida esperei meu par, e durante a espera, escrevi poemas de amor.
Nas linhas dos cadernos tracei caminhos para mãos dadas, descrevi beijos e criei canções. Nos cantos das páginas desenhei sóis amarelos e brilhantes, que aqueciam peles nuas e livres.  E nos rodapés, fiz longas praias para pés sem pressa.
Em meus poemas falei das estações, das muitas luas e estrelas que contei sozinha, guardando sonhos e desejos para noites que viriam. E quanto mais escrevia, mais me alimentava da ilusão daquele par, que traria no abraço o calor que me faltava.
Até que meus dedos se cansaram das palavras, e os olhos se turvaram sem esperança, deixando que a tristeza visitasse meu coração.
Fechei as janelas e encerrei a música.
E na penumbra da própria solidão, prometi a mim mesma nunca mais acreditar nas histórias de amor...

20 fevereiro, 2015

Somos todos



Somos todos construídos de partes diversas,
que se agregam ou se soltam,
enquanto caminhamos e travamos lutas.
Partes que nos fortificam, ou nos enfraquecem,
nas empreitadas em que nos aventuramos.
Só uma força é capaz, apesar de tudo, de manter-nos
inteiros: o amor por nós mesmos, e a fé nos valores que escolhemos irradiar.
Por isso mesmo é que somos mais fortes do que imaginamos, e
capazes de superar as mais profundas dores.


04 fevereiro, 2015

Olhar

Me encanta esse olhar sereno, na mãe embala o filho.
Eu o vejo também nas trocas cúmplices de grandes amigos, 
como naquelas de irmãos e irmãs.
É nas ruas que o percebo,
algumas vezes em almas solidárias  e caridosas,
ou nos seres abnegados, revestidos de fé.
Nos mais céticos, vejo um olhar relutante, 
disfarçado de inveja ou, por vezes, de pura tristeza.
Mas apesar de visível em tantas faces, 
só consigo decifrá-lo em um determinado momento:
naquele em que sou eu a olhar, 
reconhecendo o amor, em sua real essência, 
nos caminhos por onde vou.



28 janeiro, 2015

Palavras me visitam

Com a chuva, recebo a visita das palavras.
Chegam em pequenos grupos, alvoraçadas,
e se espalham pelo caderno, entre linhas e espaços,
letras e pontos.
Escolho algumas, e as convido para compor um poema,
que possa fazer uma homenagem ao sol,
ou levar à lua uma carta de amor.
Mas, irreverentes que são, me confundem
e desfazem as minhas rimas.

Quisera ter o poder de trança-las, como faço com os cabelos,
e senti-las presas a mim por onde eu for.
Quem sabe olhar no espelho, para vê-las me adornando o rosto,
e me sentir bonita pelo encanto da poesia.

23 janeiro, 2015

Alma Límpida

Na sua  forma de ajeitar os cabelos,
ou no brilho claro de olhos acesos,
ela mostra um pouco de si.
Em suas palavras são vistos espelhos,
e reflexos do que  ela se dedica a traduzir.

E quem a vê sorrindo, se alegra também,
contaminado pela esperança espalhada no ar,
em pontos translúcidos,
pelo ar.

No suave levantar do olhar,
ou  no abrir de braços,
o oferecimento explícito da luz que emana
de todos aqueles  de alma límpida...

Mundo Escrito

Existe um pequeno mundo, como uma pequena ilha, especial entre tantas que não o são.
É repleto de seres encantados, luminosos e mágicos, que podem  ouvir pensamentos e sonhos, mas que não são capazes de traduzi-los em palavras que o vento possa espalhar pelos horizontes.
Por isso, esses seres, como deuses, criam Poetas ao seu redor.

Chegam disfarçados de pequenas borboletas, ou barulhentos pássaros coloridos. Ou aproximam-se quase invisíveis, misturados  nos sons de águas mansas ou de mares turbulentos.
Só são vistos por aqueles que  conhecem suas linguagens e gestos, e, principalmente, por aqueles que  também têm  uma pequena luz no coração, que lhes permite iluminar passagens secretas e ouvir além do compreensível.

São eles que  sussurram nos ouvidos dos escribas os poemas e  as histórias que viram nascer nesse mundo que percorrem. São memórias de belezas e terrores, de duelos infindos e  romances improváveis, de viagens fantásticas a mundos etéreos.
E  assim, no papel nascem fadas e príncipes, amantes eternos, lutas por amor e batalhas repletas de glórias.

Quando visito a pequena ilha,  leio sempre vários poemas. E em cada um deles, vejo uma parte minha descrita. Somando-os, conheço-me.
Todos são eu.
Penso nesses seres luminosos, sabendo que escutam todos os meus sonhos, e me acompanham em todos os meus anseios.
Talvez me iluminem sempre.
Então volto refeita, qual Poeta alimentada de emoção… 



O Tempo Brinca

O tempo brinca.

Se esconde enquanto passa, para nos surpreender adiante.
Saltita nas nossas memórias para nos confundir, e por vezes
troca tudo de lugar, e nos deixa perdidos.
Traz de volta o que insistimos em deixar para trás, ou
faz superar o que pensamos ser intransponível.
Mas a melhor de todas as brincadeiras, é fechar os olhos, para ver
só o que nos tornamos por dentro, e perceber tudo  o que o  tempo
nos ensinou. 
E agradecer...

Lição de Borboleta

Chego e fico a observá-la enquanto vai revolvendo raízes e folhas entre os dedos.
Cercada de flores, como crias suas, ela trama arranjos e marca o tempo.
Parece perdida em pensamentos para si mesma, por isso permaneço borboleta, disfarçada entre folhas.
Vejo que murmura cuidados, e junta a eles o perfume de uma recém nascida orquídea, como um doce feitiço para diluir no ar.
Da perseverança da mulher, à resistência da planta, não existe pressa, pois a natureza tem seu próprio ritmo, e para cada flor um único cuidado.
E quando a chamo, batendo asas, “mãe!”, no levantar de olhos e abrir do sorriso, aprendo mais uma lição:
Boas lembranças são flores que precisamos cultivar sempre, para  que o mundo mantenha  esse cheiro de mãe-jardineira...


(Para minha mãe, pela lembrança de vê-la entre as orquídeas,
imagem gravada para sempre em meu coração )

Prece

Como em todas as madrugadas, ele se levanta e se prepara rapidamente para o dia de trabalho.
Sai de casa apressado, enquanto todos ainda dormem, seguindo por uma trilha que conhece bem, até uma grande pedra no topo do morro. Lá chegando, se senta e respira fundo.
É quando começa, à sua frente, o nascer do sol. 
Um espetáculo a que assiste hipnotizado, em total encantamento, 
e faz sua prece a Deus por um dia digno e produtivo. 
Desfruta daquela comunhão de fé e natureza, se fortalecendo para a vida.

Depois daquele momento único e transformador se curva perante o Pai, 
e abençoado retoma seu dia...