Nas lembranças que tenho dele, em quase todas o vejo da
mesma forma: sempre sentado na mesma cadeira, cigarro aceso em uma das mãos,
jornal aberto sobre a mesa à frente, com semblante fechado, indecifrável.
Dividia a atenção entre a leitura e a televisão, sempre
ligada, no canto da sala.
Falava e se movimentava pouco pela casa. Limitava seu espaço
de forma rotineira, sistemática: pela sala, quarto e cozinha. Me habituei à sua
presença em cada um daqueles cômodos, povoando a casa que era, de certa forma,
sua imagem: forte, segura e permanente.
Mas nos dias em que a família se reunia, filhos e netos
juntos, seus olhos ganhavam um brilho novo. Gostava do burburinho, do vai e vem
dentro de casa, da fartura dos almoços e da confusão que se formava. Em dias de festa, acertava logo um jogo de
truco, escolhia um parceiro e arrumava a pequena mesa para quatro. Era fácil
saber quando ganhava dos parceiros, pois os gritos, entremeados de risadas,
podiam ser ouvidos na casa toda: “seis mi, ladrão!” e lá vinha ele, escondendo
uma carta de baralho, brincando ou blefando, eu nunca soube.
Mais do que ensinamentos, ele me deixou referências.
Marcas que até hoje procuro cada vez que o caminho se torna
mais árduo, e preciso ser forte.
E hoje, todas as vezes que a saudade é dolorosa, me abrigo
nesse abraço de memórias, buscando forças para seguir em frente, mesmo quando
as pessoas que amo vão ficando pelo
caminho.